sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O prêmio da Mega-Sena

(Baseada em fatos reais)


Em um momento indefinido dos anos 80, numa cidadezinha do interior do Ceará, o pai chegou triunfante à casa:

- Ganhamos na Mega-Sena!

(Silêncio e dúvida de poucos segundos)

O pai saca o bilhete do bolso e estende ao alto chacoalhando a mão, e como se isso fosse a confirmação de alguma coisa, inclusive da veracidade da informação, a mãe larga as panelas no fogo; as crianças, os brinquedos no chão, e vão abraçar o pai. Começam a pular em círculos dizendo “êêêêêê”, e algumas outras coisas indiscerníveis, o que chamou atenção do cachorro, que começou a latir e rodopiar junto aos donos.

Passados os primeiros momentos de euforia, a mãe volta às panelas para que não queimasse a refeição e as crianças voltam desconcentradas à brincadeira, sabendo que algo muito bom estava acontecendo.

Na janta, o pai e a mãe explicaram mais ou menos o que significava ganhar na loteria. As crianças ficaram felicíssimas, e não dormiram a noite, pensando, o menino numa bola de capotão novinha, que no fundo ele pretendia guardar e continuar jogando com a velha de sempre pela vizinhança, e a menina numa boneca gigante, quase do tamanho dela, para servir-lhe de melhor amiga e confidente, num momento em que começava a ajudar a mãe nos afazeres domésticos.

 Pai e mãe também não dormiram, parte por ficarem pensando numa casa nova, grande e bonita; ele num videocassete, animais e ferramentas, ela nuns itens que conhecia da novela e, não estava assim tão claro para eles porquê, mas vinha-lhes também a imagem da chuva; parte por ficarem comemorando à moda adulta.

O pai no dia seguinte levantou cedo, mal conseguiu comer o desjejum e convocou a mãe. Antes de saírem, pegou no quarto das crianças as mochilas que usavam para carregar o material escolar, e anunciou:

- Hoje vocês não saem de casa, precisamos das mochilas para buscar o prêmio. Fiquem aí e não falem com ninguém.

Quando reivindicaram o prêmio, ratificaram-lhes o status de ganhadores. Entretanto, provavelmente pelo frenesi do momento, o pai se atrapalhou um pouco na conferência dos números. Ganharam, porém na quadra.

Depois de um tempo que hoje ninguém sabe precisar bem, voltaram os pais à casa com os frutos do prêmio, que de fato quase coube nas mochilas: uma bola de capotão, uma boneca de tamanho razoável, um videocassete, um item decorativo, supostamente parecido com o da novela, a feira da semana e um grande osso.

Os pais, por conta disso, semi-dormiram algumas noites, frustrados. Outras frustrações vieram, e volta e meia eles voltavam a semi-dormir. As crianças, enquanto foram crianças, viveram o que imaginavam ser felizes para sempre. Já o cachorro, embora mais alegre ao ver rodopios pela casa, continuou sendo feliz, como foi desde sempre.

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.