sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O prêmio da Mega-Sena

(Baseada em fatos reais)


Em um momento indefinido dos anos 80, numa cidadezinha do interior do Ceará, o pai chegou triunfante à casa:

- Ganhamos na Mega-Sena!

(Silêncio e dúvida de poucos segundos)

O pai saca o bilhete do bolso e estende ao alto chacoalhando a mão, e como se isso fosse a confirmação de alguma coisa, inclusive da veracidade da informação, a mãe larga as panelas no fogo; as crianças, os brinquedos no chão, e vão abraçar o pai. Começam a pular em círculos dizendo “êêêêêê”, e algumas outras coisas indiscerníveis, o que chamou atenção do cachorro, que começou a latir e rodopiar junto aos donos.

Passados os primeiros momentos de euforia, a mãe volta às panelas para que não queimasse a refeição e as crianças voltam desconcentradas à brincadeira, sabendo que algo muito bom estava acontecendo.

Na janta, o pai e a mãe explicaram mais ou menos o que significava ganhar na loteria. As crianças ficaram felicíssimas, e não dormiram a noite, pensando, o menino numa bola de capotão novinha, que no fundo ele pretendia guardar e continuar jogando com a velha de sempre pela vizinhança, e a menina numa boneca gigante, quase do tamanho dela, para servir-lhe de melhor amiga e confidente, num momento em que começava a ajudar a mãe nos afazeres domésticos.

 Pai e mãe também não dormiram, parte por ficarem pensando numa casa nova, grande e bonita; ele num videocassete, animais e ferramentas, ela nuns itens que conhecia da novela e, não estava assim tão claro para eles porquê, mas vinha-lhes também a imagem da chuva; parte por ficarem comemorando à moda adulta.

O pai no dia seguinte levantou cedo, mal conseguiu comer o desjejum e convocou a mãe. Antes de saírem, pegou no quarto das crianças as mochilas que usavam para carregar o material escolar, e anunciou:

- Hoje vocês não saem de casa, precisamos das mochilas para buscar o prêmio. Fiquem aí e não falem com ninguém.

Quando reivindicaram o prêmio, ratificaram-lhes o status de ganhadores. Entretanto, provavelmente pelo frenesi do momento, o pai se atrapalhou um pouco na conferência dos números. Ganharam, porém na quadra.

Depois de um tempo que hoje ninguém sabe precisar bem, voltaram os pais à casa com os frutos do prêmio, que de fato quase coube nas mochilas: uma bola de capotão, uma boneca de tamanho razoável, um videocassete, um item decorativo, supostamente parecido com o da novela, a feira da semana e um grande osso.

Os pais, por conta disso, semi-dormiram algumas noites, frustrados. Outras frustrações vieram, e volta e meia eles voltavam a semi-dormir. As crianças, enquanto foram crianças, viveram o que imaginavam ser felizes para sempre. Já o cachorro, embora mais alegre ao ver rodopios pela casa, continuou sendo feliz, como foi desde sempre.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Quando chega a hora n.2


Pode ser numa loja de discos
No banheiro, no elevador
No bar, no laboratório
Ou até mesmo num balão


Pode ser tomando vinho e comendo queijo
Fazendo sexo,
No meio da consulta médica
Ou até mesmo contemplando um outdoor


Pode ser lendo Drummond,
Ouvindo Phillip Glass, assistindo Bergman
Na atenção ao pedinte, à Marilena Chauí
Ou até mesmo à moça do tempo


Pode ser em novembro,
Em dia santo, na chuva de granizo
Vendo a aurora boreal...
Pode ser que entendamos.

domingo, 13 de setembro de 2015

Dois (1995 - 2015)


                Eu tinha oito anos quando meu primo Inha (Cesar – Cesinha – Inha) apareceu lá em casa com o CD “Dois”, da Legião. Inha, cinco anos mais velho, era uma referência (ainda mais dos oito para os treze). Lembro que colocou direto “Eduardo e Mônica” (faixa 4), que eu achei o maior barato. Divertiu-me muito a história do rapaz que ia pra aulinhas de inglês, gostava de novela e jogava futebol de botão com seu avô, e da moça que tinha tinta no cabelo, e do encontro em que ela foi moto e ele de “camelo”.

                Gostei tanto que comprei (meus pais compraram) o CD por causa da música, nas Lojas Americanas. Tive o CD por quatro anos, até que troquei com a menina “que eu gostava” (era assim como nos referíamos às paixões platônicas de outrora), pelo CD “Só no Forevis” dos Raimundos. Fazia sentindo: eu assistia MTV, que ajudou no estouro comercial da banda (que de fato teve momentos inspirados) e afinal, qualquer coisa fazia sentido na aproximação com a menina “que a gente gostava”.

                Vinte anos depois (semana passada) resolvi ter novamente o álbum “Dois”. Com uma vitrola e um iPhone, minha dúvida era se garimpava um vinil no sebo ou baixava o álbum no iTunes. Optei pelo segundo, porque queria ir ouvindo o som no carro indo para o trabalho (desculpa de preguiçoso). Mas ainda vou comprar o bolachão também.


Neste hiato passei a ouvir outras faixas: “Tempo Perdido”, “Índios”, “Quase sem querer”, fase em que aprendi a tocar o violão que meu pai nunca tocou, mas cuja existência descobri lá em casa. Guardado num case cheio de revistinhas com várias músicas da própria Legião, significou o passo inicial de um hobby que ainda mantenho. Nesse hiato surgiram para mim várias histórias e cenários. Surgiu George Orwell, Tcheckhov, Epicteto, Graciliano Ramos, Woody Allen (Godard, Mutantes e Rimbaud também); surgiu a medicina, a filosofia, a Amazônia, Islândia, Egito, Bolívia, pessoas incríveis, e com tudo isso, surgiu também uma nova percepção do mundo.

                Interessante transitar por passado e futuro, perceber-se mudado, ouvir “Eduardo e Mônica” e achar graça da graça que se achava; gostar mais de pensar “se existe razão nas coisas feitas pelo coração”, e imaginar se aos quarenta e oito isso será motivo de graça também.

                As possibilidades são infinitas, e paradoxalmente aceitamo-las cada vez menos. O perigo que sempre se aproxima é imaginarmos que é chegada a hora da versão definitiva de nós mesmos, e do que entendemos do mundo. Distanciar-se disso exige coragem e autoconhecimento (conhecer-se é saber-se não definitivo). O trânsito entre inocência e a viagem na maionese é menos danoso do que a percepção de que se tem tudo nas mãos, inclusive a verdade. Curioso: quando conversamos com os ditos “donos da verdade” umas das frases que mais ouvimos é “isso não pode”. Quando se é simples de coração, a única coisa que não pode é ser infeliz.

             (“...E quem irá dizer que não existe razão”)

domingo, 3 de maio de 2015

Saco dos Limões


            Acho o maior barato morar no Saco dos Limões. Embora siga dizendo que, caso um dia more em definitivo em Florianópolis, quero ir para o sul da Ilha (o que com frequência faz com que os ouvintes me indaguem qual meu conceito de “definitivo”, já que moro na cidade há quase 8 anos), sinto-me numa feliz e tranquila passagem por esse bairro com ares de vila.

            O bairro parece ter sido meio eclipsado pelo crescimento dos bairros vizinhos (centro e arredores da UFSC), que lhe projetaram uma sombra na qual pouca coisa cresce, como se fosse uma planta com crescimento restrito dada a quantidade de sol insuficiente para uma fotossíntese decente. Resultado: O Saco dos Limões parou no tempo, e eu gosto muito disso, pois acho que também nós deveríamos, em vários aspectos, ter parado no tempo.

            O legal por aqui é que há coisas que só persistem por estar no bairro. Noutro mais moderninho nem abririam. Aliás, ganhamos recentemente uma biboquinha que vende mini-pizzas fora de série. Pizza Roots, o nome. Um casalzinho simpático, que capricha no recheio e na massa fina. Uma das melhores da cidade, mesmo! Tô viciado e já levei gente lá. O lugar parece (aliás é) uma garagem, onde improvisaram 3 mesas, duas de plástico com toalha de mesa xadrez, tipo cantina italiana, e outra mesa de madeira, sem nada. Incrível!

            Na mesma rua (a principal do bairro), tem os estabelecimentos que devem figurar entre os mais antigos da cidade. Entre eles a Barbearia Silva, com o próprio Seu Silva cortando cabelos há (segundo ele; e por que eu duvidaria?), 58 anos, só ali parece que há mais de 30. Descendente de uma família do ramo, teve o pai e os irmãos no mesmo oficio, e conta essa história quase toda vez que vou cortar o cabelo ou fazer a barba, junto aos inevitáveis comentários sobre o vento sul, as catastrofes naturais, os impostos e toda aquele papo inerente a qualquer barbearia tradicional do mundo. Deve fazer parte da formação deles.  

            A 50 metros da barbearia fica a Ilhafarma (me surpreende muito não ser com ph). Deve ser o estabelecimento mais antigo do bairro, o letreito mostra o número do telefone ainda com 6 digitos, e a cor dele, outrora branco, não tá nem amarelado, tá mostarda mesmo. Caso alguém duvide da antiguidade da farmácia, é só dar uma olhada em seu interior: prateleiras com uma série de caixas embrulhadas em papel pardo, e um dono (ou funcionário) barrigudo, de cabelos loiros compridos, bigode volumoso e um ar de que não sai de trás do balcão desde os anos 80. Talvez para abrir a porta, daquelas cinzas que rolam de cima pra baixo. Acho que eles se especializaram em emplastros e poções, e estão ali por puro hobby. Tem de ter outro tipo de renda, tem de ter! Nunca vi ninguém entrando lá.

           
            Gosto muito de passear pelo bairro, sempre faço uns caminhos diferentes, observando as ainda preservadas casas térreas, que não cederam muito espaço aos altos edifícios, embora inevitalvemente (?) cada vez mais numerosos no entorno. Muitas senhoras e senhores nos quintais, num silêncio que só é quebrado pelos horários de entrada e saída da criançada no colégio Getúlio Vargas, ou sazonalmente, pelo ensaios da Consulado, escola de samba daqui do bairro. Nunca fui num, mas dá pra ouvir do quarto, e é bacana também, ano que vem vou “de certeza”.

            Esse clima nostálgico ainda se mescla com a beleza de ter a vista toda da baia sul, o Cambirela ao fundo, os aviões indo e vindo do aeroporto Hercílio Luz ao longe. A coisa mais gostosa que tem é acordar com qualquer humor e ir correr, ir ao trabalho, ou não ir a lugar nenhum, e ficar uns instantes só olhando essa paisagem. Não importa nada, tá tudo ali, do mesmo jeito, imponente, querendo fazer a gente entender alguma coisa.

            O que certa turma não entende é essa vocação natural do bairro para coisas antigas: paralelepípedos, camurça, Monza Hatch e afins, e inventaram de construir um prédio alto, todo desproporcional a seja o que se queira considerar. Batizaram de Novo Centro, e a construção já está tapando metade da vista daqui pro Cambirela. Não podia dar certo. Alias, eles estão contruindo desde que cheguei aqui, há mais de 1 ano, e não conseguem terminar. Deve ter alguma energia coletiva sugando a capacidade de trabalho do pessoal. Mas a gente sabe como as coisas são, uma hora fica pronto.

           
           Acho que eu deveria tirar uma foto da sacada. Mesmo que eu não quisesse, sairia em preto e branco. Guardar e mostrar o Saco dos Limões daqui umas décadas. Nela teria as casas baixas, a baia Sul, o Cambirela (ou metade dele), algum avião voando baixinho rumo ao aeroporto e, mais do que isso: haveria a sensação de um silêncio gostoso, quase uma manifestação às avessas, de uma pequena parte de Floripa que, a sua maneira, foge a essa gritaria infértil de um momento histórico desengonçado e careta.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Sustentabilidade urbana, licenciamento e monitoramento ambiental

            A eleição de tal tema carrega um potencial enorme, caso seja levada em conta a reflexão ética e o entendimento do momento histórico em que vivemos.

            A julgar pelos termos, colocamos o tema sob uma perspectiva antropocêntrica, determinando um protagonismo ao ser humano pelos processos de transformação do ambiente, com licenciamento (autorização) e monitoramento no processo de urbanização. Pode ser bastante lógico, caso não percamos de vista o seguinte:

É inegável o papel do homem como agente transformador do ambiente. Entretanto, perde-se muito ao ignorar ou menosprezar a reação proporcional causada por todo e qualquer ato, por mais previsível que seja, (depreendida, neste caso, pelo ambiente ao qual se deixa transformar). Esta negligência fragiliza qualquer monitoramento ou licenciamento ambiental, uma vez que, embora contenha o elemento transformado, dirige-se exclusivamente a ação humana, quase sempre mal controlada.

            Vivemos um momento histórico em que impera a velocidade. As possibilidades de inovação tecnológica, impulsionada pelos valores neoliberais tornam absolutamente tudo vítima da obsolescência programada, que dificulta sobremaneira a ideia de sustentabilidade. Desnecessário dizer que tais valores concorrem diretamente com os valores éticos, sofrivelmente trabalhados (quando trabalhados), moldando cidadãos facilmente corrompíveis, o que complica ainda mais o tema proposto.

            Não podemos perder de perspectiva que estamos tratando apenas de um recorte temporal, embora seja pertinente a programação a curto prazo, uma vez que o processo não é reversível, nem necessariamente ruim.

            Dada a fragilidade das relações humanas e ainda maior daquela entre o ser humano e o meio ambiente, a tarefa de discutir sustentabilidade urbana e seus desdobramentos não deixa outra alternativa senão primeiramente redimensionar a figura do homem, principalmente ao imaginá-lo exclusivamente vetor em relações nas quais é transformado tanto quanto o que deseja transformar.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Só com reza braba

Não é lá mérito dos grandes pensadores e intelectuais a conclusão de que o mundo está às avessas. Pouca é a quantidade de reflexão exigida para o entendimento de que vamos mal das pernas. Os tributos, as catástrofes naturais, a vida amorosa, a qualidade do humor, a miséria, a violência, a saúde...tudo isto está escancarado. Agora, é de se espantar que ninguém tenha se dado conta dos reais motivos para o percurso ladeira abaixo.

Cá estamos em 2015 e a turma continua apelando para as mesmas figurinhas carimbadas de sempre. Nossa principal deficiência jaz na relação que temos com a eternidade. Nos relacionamos com as divindades de forma semelhante aos cães para conosco. Em percepção (a)temporal, e atitudinal.

Analisemos com frieza: os cães, por algum motivo que só eles entendem, nos obedecem cegamente, e abanam o rabo mesmo com a atitude mais irrefletida da nossa parte. Esquecemos de colocar ração no pote por 3 dias consecutivos e lá estão eles, achando que se estão com fome, é porque os seres humanos tem algum plano inteligente que envolve a fome. A maioria dos cachorros morrem antes de seus donos, mas se o inverso acontece, o cachorro, se puder, vai visitar o túmulo todo dia, esperando uma ressurreição, que embora nunca aconteça, gera uma obediência incondicional, como se nalgum plano superior o dono continuasse existindo, e acompanhando todos os passos, podendo castigar com um chinelo sobrenatural qualquer mijada fora do jornal.

Nossa relação com Jesus, os santos e Deus, é parecidíssima. Primeiro de tudo é que se Jesus de fato estivesse intercedendo por nós, segundo observações nem tão atentas, nem tão complexas, está de licença premium ou aposentado. Os santos, por sua vez, (a maioria, com certeza) afastados pela perícia. Motivo mais comum: LER (lesão por esforço repetitivo). Sem forçar a barra: há séculos esbarramos nas mesmas dificuldades, ainda não adquirimos o know-how de viver, e haja trabalho pra turma de cima. São judas Tadeu, Santo Expedito e Santo Antônio cansaram de fazer mutirões e penduraram a chuteira muito antes dos outros.

Deus, por sua vez, que já não é o papai do céu, e sim o vovô do céu, num estado declarado de senescência, comporta-se como Silvio Santos. O Silvio, alias, nos tempos áureos poderia ser o próprio Deus humanizado, haja vista sua sagacidade e entendimento do ser humano. Conseguiu, entre outras coisas, perceber a falta de vocação do homem para vencer e inventou a Tele-Sena, onde você ganha com mais, ou menos pontos. Nós compramos a ideia, achando que os últimos serão os primeiros, e aquela coisa toda de que quem espera sempre alcança e nisso não reparamos que Deus provavelmente também já passou daquela para uma melhor ainda, pois também ele se relacionava com algo que chamava de superior, e que esquecia de botar a ração no pote por 3 dias consecutivos etc etc.

Alias, suspeito de que, se alguém ainda consegue “ver” Deus, talvez esteja caindo num truque. Não é pouco provável que, levados por nossa percepção completamente furada de temporalidade não enxerguemos que quem está lá é um sósia, tipo o Paul McCartney, que já se foi desde antes do Sgt. Peppers mas continua fazendo 365 shows por ano. Em qualquer lugar dentro ou fora do planeta.

Voltando ao Silvio, sacada de gênio, em meio a nova idade média, idade das trevas, inventar um programa chamado “Topa tudo por dinheiro”. É a síntese do comportamento humano atual. Topa ficar martelando prego, contando 1, 2, 3, pi, vendo as câmeras escondidas com Ivo Holanda e esperando sentando a hora em que aviõezinhos de 50 cruzeiros caiam dos céus.

Todo mundo a espera de um milagre, que não vem. Sobra pra quem: Para a Morte, claro. A Dona encapuzada e sua foice já terceirizaram o serviço, a demanda é desumana. Há quem diga que Sr. Noel aluga seu trenó fora de temporada, numa coligação tão bizarra quanto as dos partidos políticos brasileiros, para que a Morte não falhe nos prazos. Alguns santos menos prestigiados também estão recebendo treinamento e outros já praticam o oficio na condição de menor aprendiz.

A resposta para o caos está no equilíbrio entre terra e céu. Isso exige que repensemos nossa ideia de eternidade. Há quem diga que a resposta para todos os problemas está na educação, e realmente está. Mas corrigir o processo educacional, no ritmo e interesse genuínos de nossos concidadãos, levará mais tempo do que a sucessão dos cargos celestes. Daí fica a percepção: Da mesma forma que foi o tempo de Isis, Osiris e Sekmet; Esculápio, Baco e Júpiter, também já foi o tempo do pai, do filho e do espírito santo.

E uma sugestão: Há tanta gente boa, com pouco tempo de casa, que iria ficar tão feliz em ajudar! Que tal começar a pedir a intercessão de Tom e Vinicius, João Ubaldo Ribeiro, Manoel de Barros, Rubem Alves, Mario Quintana, isso só para citar os nacionais. Os modelos estão todos falidos, ou não estamos preparados para colocar nenhum em prática. Mais sério do que tudo isso, que não passa de uma grande brincadeira (?), a salvação pode estar nas artes, e na reinvenção das nossas crenças. Sejamos corajosos.      
 
Nota: Este texto, que serviu mais como exercício provocativo de (auto-)reflexão e atividade de lazer, comporta apenas parcialmente minhas opiniões.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Por que vale a pena viver?


Pelos filhos que nascem,
Pelos amigos que chegam,
pelos dias e noites que se sucedem não importa o que a gente faça ou invente.
 
Pela cerveja gelada,
pelos filmes do Woody e do Tarantino,
as músicas do Chico,
pelas pizzas de padaria
E pela possibilidade de acordar mais tarde.

Pelo violão, pela voz, pelo cajon e a escaleta.
Pelas coisas que a gente pensa e nunca faz:
música em volta da fogueira,
correr a maratona, os trabalhos voluntários,
os amores impossíveis.
Sim, sobretudo pelos amores impossíveis
 
Pelas atuações da Meryl Streep
o arroz com feijão da mãe
o cheiro de mato
e, por que não, o da gasolina?
 
Pelos abraços apertados,
Os sorrisos escancarados
E os olhares sinceros
Principalmente o dos cães. 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Pequeno conselho aos que querem mudar o mundo

                Antes de começar, embora eu não goste de categorizar as pessoas, acho pertinente separar a humanidade em idealistas e não-idealistas. Isso é apenas uma constatação, não algo contra o qual consigamos lutar. O desejo profundo e sincero de melhorar a si mesmo e fazer deste um mundo melhor a todos virá (ou não) às pessoas no devido momento. Apenas faço a distinção pois as posturas e preocupações são bem dispares, e talvez aos não-idealistas este texto soe uma perda de tempo.

                Com uma frequência cada vez maior circulo por meios em que se debate bastante o tema “vamos mudar o mundo”. Ubíqua, entretanto, a incoerência entre discurso e prática. Não por hipocrisia, mas porque é difícil mesmo. Acaba que muitas vezes pessoas boas perdem seus potenciais, desperdiçados em mudanças estéticas, logo, vazias, propagando opiniões fortes, porém mal elaboradas (muitas vezes apenas nas redes sociais), e se tornam cada vez mais desestimuladas porque a maré parece invencível.

                E então, o que fazer? Queremos mudar o mundo mas nos sentimos perdidos no meio do fogo cruzado. Daí temos insights do tipo: “Ok! Não quero simplesmente deixar a barba crescer, andar descalço, parar de ler a Veja e ficar dizendo bobagem no facebook. Quero acordar amanhã e fazer a coisa acontecer.” Meu pequeno conselho: A partir de amanhã, organize-se e dedique cada vez mais tempo as pessoas que você conhece e realmente admira.

                Digo isso com tranquilidade porque os idealistas de verdade dificilmente admirarão as pessoas erradas. Se você se considera idealista e admira alguém que tem por projeto de vida enriquecer financeiramente...bem, sinto lhe informar, mas estas são ideias antagônicas. Não vou discorrer sobre isso, espero que ninguém imagine que não considero uma remuneração adequada para suprir as necessidades de qualquer cidadão algo indispensável (e as “necessidades de qualquer cidadão” já vira outro tema) ...enfim, partamos do pressuposto que isso esteja claro e avancemos.

                 Você pode admirar grandes ativistas e personalidades, mas dificilmente conseguirá conviver com elas. No entanto, aposto que há algumas pessoas ao seu redor com as quais você tem ideias muito alinhadas, e que consegue enxergar uma pró-atividade em torno dos ideais compartilhados, pessoas que te empolgam ao falar dos sonhos, que, claro, também erram algumas vezes, mas que você sabe que teu coração bate diferente quando está na presença delas. É a essas pessoas que você tem de dedicar mais tempo. E se você se considera um idealista e não conhece ninguém com esse perfil, sugiro repensar seriamente em como anda levando a vida.

                O que acontece é que ficamos pensando muito nessas coisas, mas no fim das contas acabamos dedicando o todo o tempo que sobra a festas, cerveja com os colegas, namoro, família (as vezes), ou simplesmente a não fazer nada. Esse não fazer nada é algo incrível, se pudéssemos, depois dos deveres viraríamos um leão marinho e ficaríamos torrando no sol em cima de uma pedra. Ou talvez preferiríamos até mesmo vivar a pedra, de tão preguiçosos que somos.

                Mas espero que ninguém imagine que mudar as coisas seja coisa fácil. Exige esforço. Também não estou dizendo que não devemos nos relacionar com quem nos é/foi/está sendo importante. Mas idealista que é idealista pressente algo maior, que tudo pode ser muito melhor, mas que as pessoas no momento histórico em que vivemos tem dificuldades em manifestar isso. Se acha que não há tempo para tanta coisa, reveja suas prioridades, organize-se e obtenha esse tempo!

                Vá trocar ideias com quem você admira, observe, aprenda, e ensine também! A construção de um mundo melhor começa na convivência dos bons, que compreendem inclusive que melhorar o mundo passa por melhorar a si mesmo. Sinceramente, é o que já estou tentando fazer há algum tempo e se me permitir, vira meu conselho.
                Afinal de contas, “porque chamaríamos algo de IDEAL, se não fosse na tentativa de vivê-lo a todo momento?”

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Sobre as pessoas que passam por nossa vida

               Há quem passe por nossa vida por alguns poucos minutos, fala meia dúzia de palavras, as vezes não fala nada, e muda tudo para sempre. As vezes não muda nada, só arranca um sorriso; da maioria dessas pessoas a gente nunca mais se lembra.

                Algumas pessoas passam várias vezes, sempre dando ois e tchaus, e entre um e outro nada de muito relevante aparentemente acontece, mas por algum motivo que a gente geralmente não investiga, persistem esses reencontros apenas com ois e tchaus.

                Outras pessoas passam feito um furacão, numa intensidade fora de controle, arrancam admiração, inveja, paixão e revolta, e logo tudo passa, porque as grandes relações só se sustentam com convivência.

                Pessoas com quem a gente cria grandes relações são aquelas que passam e deixam uma sensação tão boa, que se tornam especiais a ponto de querermos que passem todos os dias, para compartilhar mais momentos, tantos assim que pareça que não é nem um e nem outro que passa, porque o caminho se torna o mesmo.

                Embora haja pessoas que passam pela nossa vida todos os dias, algumas não passam em carne e osso, mas nos pensamentos. Há pessoas que ficam muito tempo passando só no pensamento. Entre elas estão as que a gente conversa com regularidade, e outras não.

                As pessoas que passam no pensamento e a gente conversa com regularidade, são aquelas que deixaram boas sementes, e a gente faz questão de cultivar, mesmo não conseguindo ver todo dia. Como somos pessoas, temos a sorte de poder regar a alma, que é a terra onde se plantam as coisas próprias dos seres humanos. Amor e amizade são boas “técnicas” para seu cultivo, e que como qualquer outra, tem sua eficácia atrelada a constância. (Bastante ênfase nas aspas, porque o dia em que o amor for categorizado enquanto técnica teremos de rever quase tudo que imaginamos saber nesta vida).

                Oras, mas porque não falaríamos com alguém que passa tanto no pensamento? Descontados os mortos, com quem até podemos falar, desde que não nos frustremos com a falta de respostas convencionais, são pessoas que passaram, seja por muito ou pouco tempo, e plantaram alguma coisa que não nos fez bem, mas que a gente ainda não aprendeu o antídoto para se desfazer deste mal.

                Ninguém que passa de forma consciente quereria deixar algo de ruim. As pessoas que deixam sementes ruins também estão em sofrimento, ou simplesmente meio atrapalhadas das ideias, e precisam de ajuda. O antídoto é conhecido de todo mundo, e ajuda a ambos, mas quase ninguém sabe usar de verdade. Chama-se perdão.

                Dizer que perdoou e ficar vendo a pessoa passar no pensamento sem falar é o mesmo que não ter perdoado. Para todos os que passam pela nossa vida, devemos lealdade (aos nossos ideais) e cortesia sempre. E sempre também, uma porção na manga de perdão. Senão a caminhada vai ficando pesada, arrastando um bocado de coisa crescendo que não soubemos dar conta. Daí não notamos e não damos valor a mais nada e ninguém que continua, e sempre continuará a passar.

“Quem não sabe perdoar, só sabe coisa pequena”. (Valter Hugo Mãe)

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.