quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Discurso de formatura

Um dia é sempre chegada a hora, e hoje chegou talvez a mais importante delas. Quando digo isso, não é pelo fato de termos colado grau e (pode ainda não parecer, mas) sermos oficialmente médicos. Digo isso porque hoje se encerra o que provavelmente foram os melhores anos das nossas vidas.
 Foram seis anos que mudaram completamente nossa capacidade de interagir com o mundo.  A medicina certamente tem grande parcela nisso, mas foram experiências únicas e intransferíveis, que por força não do acaso, mas do mérito do que nós vivemos juntos,  que vão nos dizer como conduzir nossas vidas daqui pra frente. 
 Foi um aprendizado intenso, numa época da vida muito suscetível a tudo. Acaba que o compartilhamento dessas experiências gera uma carga afetiva muito grande entre nós, a ponto de chegarmos agora, olharmos pras pessoas ao lado, e que alguns anos atrás não tinham nada a ver com sua vida, e querer dizer: eu gostaria de ter você por perto de mim pra sempre. Mas não é assim que a vida funciona.
Dentro da Universidade, ao longo desses anos, assumimos distintos papéis. Entramos aqui calouros, nos tornarmos veteranos. E fomos pesquisadores, monitores, bolsistas, estagiários, organizadores de eventos científicos e de eventos nem tão científicos assim... E fomos até palhaços, fomos cobaias dos amigos. Fomos mágicos, fomos padres com balões, jogadores de futebol americano, líderes de torcida. Fomos alunos, aprendizes, acadêmicos, doutorandos. E de tudo aquilo que fomos, ao olhar para trás hoje, percebemos que o mais importante é aquilo que não entra em currículo lattes algum: fomos muito felizes!
 É bem provável que amanhã no baile, seja a última vez que alguns de nós nos vejamos. Mas isso não deve ser encarado com fatalismo, ou como um problema. Temos sorte de viver numa época em que a comunicação é muito fácil, então embora nossas escolhas nos levem a lugares distintos, as grandes amizades continuarão. O grande problema, esse sim, inescapável, é a saudade. Todo mundo já sentiu, mas dessa vez podem ter certeza vai ser muito ruim, não tem o que fazer, mas vai passar.

Quando a saudade bate, engraçado como a gente acaba sentindo falta daquilo que é mais sutil... os tais pequenos momentos do dia-a-dia, que por estarem tão presos a sua rotina, dão a impressão de que não irão acabar nunca.
Por exemplo, os longos intervalos que passávamos entre as aulas jogando conversa fora no bar do CCS, a fila do RU, o café na Videoteca, os torneios de Poker, os churrascos na ACM.
Sentiremos saudade até daquele desespero coletivo que motivava virar as noites com os colegas antes das provas, daquelas tardes intermináveis no anatômico, de ir para a praia depois da faculdade.
Sentiremos saudade de fazer fantasias em grupo, de montar maquete para o AVG e de gastar um bom tempo ensaiando um teatro ou uma atividade educativa no Posto. Sentiremos saudade de ter “um bom tempo” disponível.
Sentiremos saudade de fazer plantão com a nossa dupla, de dividir barraca no Intermed, das rodinhas de violão, das fogueiras de festa junina.
Sentiremos saudade inclusive dos pais e mães adotivos que tivemos por todo esse Brasil: foram muitos colchões espalhados no chão em Cascavel, em Sombrio, em Curitibanos, em Aracaju, em Blumenau, em Goiânia, em Natal, em São Paulo, em Tibagi, em Balneário Camboriu, em Curitiba... e até em Biguaçu.
E de repente, tudo acaba. Cada um vai para um lado, cada um passa em uma prova... (outra prova!). Alguém vai casar. Alguém vai engravidar. E vamos virar padrinhos dos filhos dos amigos. E vamos virar padrinhos de casamento. Vamos sonhar em marcar um novo encontro, mas nem sempre as agendas vão bater. Vamos enfim, virar adultos de verdade... mas que, a cada encontro, tornar-se-ão novamente aqueles adolescentes cheios de sonhos e expectativas. Vamos sentir orgulho ao perceber que cada um seguiu o seu caminho e por exercer o seu talento com dedicação, brilha. Temos um orgulho enorme da nossa turma.

E é impressionante perceber o quanto a gente mudou. E apesar disso, reconhecer que o mais importante permaneceu, que é o caráter, e que isso, a gente trouxe de casa. Aliás, uma das coisas mais importantes que a gente percebe nesses anos, é que, todas as relações, todos os laços que a gente cria durante a faculdade, servem, sobretudo pra nos fazer entender o quão imensurável e incomparável é amor que tem por nós os nossos pais e as nossas mães.
 É provável que só entendamos a intensidade desse sentimento quando formos nós mesmos os pais e as mães. Por ora, como não conseguimos imaginar palavras que expressassem o tamanho da nossa gratidão, o que podemos dizer é apenas que, para aqueles de nós que desejaremos ser pais e mães, que consigamos seguir ao máximo o exemplo de vocês, e quem sabe um dia possamos estar aí, onde vocês estão agora, comemorando uma vitória como essa.

Doutores e doutoras, mas agora somos médicos. E não foi a outorga de grau realizada há poucos minutos que nos define como tal. Claro que pra efeitos legais sim, mas é que o que nos define como médicos é algo que vai muito além do título. Também não são as habilidades técnicas que adquirimos durante o curso, a capacidade de analisar imagens, números, elaborar raciocínios complexos, apesar disso tudo ser fundamental para o bom exercício da profissão.
O que melhor nos define como médicos é o desejo profundo e o interesse sincero em cuidar de pessoas. O que move o verdadeiro médico é a compaixão. Dominar o conhecimento, porém fazer a diferença na vida de seus pacientes... este é o desafio, colegas, com o qual nos deparamos a partir de agora.
No fundo, o que viemos fazer aqui foi buscar as ferramentas e desenvolver as capacidades necessárias pra que possamos cumprir da melhor maneira essa nossa vocação, pois infelizmente para ser médico não bastam boas intenções.
E é certo que aqui as encontramos. Aqui tivemos grandes mestres e orientadores. Os exemplos práticos de nossos professores permitiram-nos compreender que nunca existirá na Medicina o último livro a ser estudado, o último artigo a ser lido. Estudamos muito para entrar nessa Universidade. E estudamos muito para sair dessa Universidade. Portanto vamos embora daqui, hoje, com o compromisso de continuar estudando. Não temos a obrigação de saber tudo, mas temos sim a obrigação de admitir que, por não saber tudo, é necessário sempre pesquisar e se manter atualizado dentro desta ciência de evolução constante.
Sairemos daqui para sermos médicos nos lugares mais diversos imagináveis... mas levaremos todos, em comum, um diploma com um emblema desenhado no canto, aonde se lê “Universidade Federal de Santa Catarina”. Não esqueçamos disso! Afinal, não é porque tenhamos nos formado que iremos deixar de lado aquele grito de guerra que tantas vezes cantamos em voz alta “Eu amo essa escola e o nome dela eu vou dizer”. Honrar o nome da Escola também é agir, diariamente, dentro dos preceitos de ética e moral que aqui nos foram ensinados...

Pra finalizar gostaria de lembrar uma situação do início do curso, quando estava uma pequena parte da turma em aula prática, frente a uma paciente. Naquela época nós sabíamos muito pouco sobre diagnóstico e tratamento das doenças. Mal sabíamos como direcionar as perguntar, de forma que o que pudemos oferecer foram coisas simples, como atenção, cordialidade, empatia e bom-senso. Ao final da consulta, a olhos destreinados poderia parecer que objetivamente nós não havíamos resolvido nada daquela paciente. Mesmo assim, ela se levantou com um sorriso no rosto, fez questão de abraçar cada um, agradeceu muito, e nos desejou boa sorte. Ali nós começávamos a entender o que é a medicina.
 Logo depois, quando estávamos sozinhos, éramos nós que não conseguíamos esconder o sorriso do rosto, e foi quando um de nós falou: “Nossa, imagina quando a gente souber alguma coisa, e estivermos soltos aí pelo mundo, quanta coisa boa a gente não vai conseguir fazer!”. Pois, pessoal, parece que chegou a hora.
Muito obrigado.

Maíra Luciana Marconcini
Pedro Mendonça de Oliveira

3 comentários:

Anônimo disse...

Emocionante demais , beijo da sua irmã

Anônimo disse...

Cadê as próximas crônicas?
Isa

Anônimo disse...

Como sua irmã disse, emocionante Fumaça, cada vez que leio lembro do momento, das sensações e dos varios sentimentos sentidos naquele momento, isso por que eu era apenas um convidado.

parabens novamente e grande abraço.

Cauê

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.