Um dia é sempre chegada a hora, e hoje chegou
talvez a mais importante delas. Quando digo isso, não é pelo fato de termos
colado grau e (pode ainda não parecer, mas) sermos oficialmente médicos. Digo
isso porque hoje se encerra o que provavelmente foram os melhores anos das
nossas vidas.
Foram seis anos que mudaram completamente
nossa capacidade de interagir com o mundo. A medicina certamente tem
grande parcela nisso, mas foram experiências únicas e intransferíveis, que por
força não do acaso, mas do mérito do que nós vivemos juntos, que vão nos
dizer como conduzir nossas vidas daqui pra frente.
Foi um aprendizado intenso, numa época da
vida muito suscetível a tudo. Acaba que o compartilhamento dessas experiências
gera uma carga afetiva muito grande entre nós, a ponto de chegarmos agora,
olharmos pras pessoas ao lado, e que alguns anos atrás não tinham nada a ver
com sua vida, e querer dizer: eu gostaria de ter você por perto de mim pra
sempre. Mas não é assim que a vida funciona.
Dentro da Universidade, ao longo desses anos,
assumimos distintos papéis. Entramos aqui calouros, nos tornarmos veteranos. E
fomos pesquisadores, monitores, bolsistas, estagiários, organizadores de
eventos científicos e de eventos nem tão científicos assim... E fomos até
palhaços, fomos cobaias dos amigos. Fomos mágicos, fomos padres com balões,
jogadores de futebol americano, líderes de torcida. Fomos alunos, aprendizes,
acadêmicos, doutorandos. E de tudo aquilo que fomos, ao olhar para trás hoje,
percebemos que o mais importante é aquilo que não entra em currículo lattes
algum: fomos muito felizes!
É bem provável que amanhã no baile, seja a
última vez que alguns de nós nos vejamos. Mas isso não deve ser encarado com
fatalismo, ou como um problema. Temos sorte de viver numa época em que a
comunicação é muito fácil, então embora nossas escolhas nos levem a lugares
distintos, as grandes amizades continuarão. O grande problema, esse sim,
inescapável, é a saudade. Todo mundo já sentiu, mas dessa vez podem ter certeza
vai ser muito ruim, não tem o que fazer, mas vai passar.
Quando a saudade bate, engraçado como a gente
acaba sentindo falta daquilo que é mais sutil... os tais pequenos momentos do
dia-a-dia, que por estarem tão presos a sua rotina, dão a impressão de que não
irão acabar nunca.
Por exemplo, os longos intervalos que passávamos
entre as aulas jogando conversa fora no bar do CCS, a fila do RU, o café na
Videoteca, os torneios de Poker, os churrascos na ACM.
Sentiremos saudade até daquele desespero coletivo
que motivava virar as noites com os colegas antes das provas, daquelas tardes intermináveis
no anatômico, de ir para a praia depois da faculdade.
Sentiremos saudade de fazer fantasias em grupo,
de montar maquete para o AVG e de gastar um bom tempo ensaiando um teatro ou
uma atividade educativa no Posto. Sentiremos saudade de ter “um bom tempo”
disponível.
Sentiremos saudade de fazer plantão com a nossa
dupla, de dividir barraca no Intermed, das rodinhas de violão, das fogueiras de
festa junina.
Sentiremos saudade inclusive dos pais e mães adotivos
que tivemos por todo esse Brasil: foram muitos colchões espalhados no chão em
Cascavel, em Sombrio, em Curitibanos, em Aracaju, em Blumenau, em Goiânia, em
Natal, em São Paulo, em Tibagi, em Balneário Camboriu, em Curitiba... e até em
Biguaçu.
E de repente, tudo
acaba. Cada um vai para um lado, cada um passa em uma prova... (outra prova!).
Alguém vai casar. Alguém vai engravidar. E vamos virar padrinhos dos filhos dos
amigos. E vamos virar padrinhos de casamento. Vamos sonhar em marcar um novo encontro,
mas nem sempre as agendas vão bater. Vamos enfim, virar adultos de verdade...
mas que, a cada encontro, tornar-se-ão novamente aqueles adolescentes cheios de
sonhos e expectativas. Vamos sentir orgulho
ao perceber que cada um seguiu o seu caminho e por exercer o seu talento com
dedicação, brilha. Temos um orgulho enorme da nossa turma.
E é impressionante perceber o quanto a gente mudou.
E apesar disso, reconhecer que o mais importante permaneceu, que é o caráter, e
que isso, a gente trouxe de casa. Aliás, uma das coisas mais importantes que a
gente percebe nesses anos, é que, todas as relações, todos os laços que a gente
cria durante a faculdade, servem, sobretudo pra nos fazer entender o quão
imensurável e incomparável é amor que tem por nós os nossos pais e as nossas
mães.
É provável que só entendamos a intensidade
desse sentimento quando formos nós mesmos os pais e as mães. Por ora, como não
conseguimos imaginar palavras que expressassem o tamanho da nossa gratidão, o
que podemos dizer é apenas que, para aqueles de nós que desejaremos ser pais e
mães, que consigamos seguir ao máximo o exemplo de vocês, e quem sabe um dia
possamos estar aí, onde vocês estão agora, comemorando uma vitória como essa.
Doutores e doutoras, mas agora somos médicos. E
não foi a outorga de grau realizada há poucos minutos que nos define como tal.
Claro que pra efeitos legais sim, mas é que o que nos define como médicos é
algo que vai muito além do título. Também não são as habilidades técnicas que
adquirimos durante o curso, a capacidade de analisar imagens, números, elaborar
raciocínios complexos, apesar disso tudo ser fundamental para o bom exercício
da profissão.
O que melhor nos define como médicos é o desejo
profundo e o interesse sincero em cuidar de pessoas. O que move o verdadeiro
médico é a compaixão. Dominar o conhecimento, porém fazer a diferença na vida
de seus pacientes... este é o desafio, colegas, com o qual nos deparamos a
partir de agora.
No fundo, o que viemos fazer aqui foi buscar as
ferramentas e desenvolver as capacidades necessárias pra que possamos cumprir
da melhor maneira essa nossa vocação, pois infelizmente para ser médico não
bastam boas intenções.
E é certo que aqui as encontramos. Aqui tivemos
grandes mestres e orientadores. Os exemplos práticos de nossos professores
permitiram-nos compreender que nunca existirá na Medicina o último livro a ser
estudado, o último artigo a ser lido. Estudamos muito para entrar nessa
Universidade. E estudamos muito para sair dessa Universidade. Portanto vamos
embora daqui, hoje, com o compromisso de continuar estudando. Não temos a
obrigação de saber tudo, mas temos sim a obrigação de admitir que, por não
saber tudo, é necessário sempre pesquisar e se manter atualizado dentro desta
ciência de evolução constante.
Sairemos daqui para sermos médicos nos lugares
mais diversos imagináveis... mas levaremos todos, em comum, um diploma com um
emblema desenhado no canto, aonde se lê “Universidade Federal de Santa
Catarina”. Não esqueçamos disso! Afinal, não é porque tenhamos nos formado que
iremos deixar de lado aquele grito de guerra que tantas vezes cantamos em voz
alta “Eu amo essa escola e o nome dela eu vou dizer”. Honrar o nome da Escola
também é agir, diariamente, dentro dos preceitos de ética e moral que aqui nos
foram ensinados...
Pra finalizar gostaria de lembrar uma situação do
início do curso, quando estava uma pequena parte da turma em aula prática,
frente a uma paciente. Naquela época nós sabíamos muito pouco sobre diagnóstico
e tratamento das doenças. Mal sabíamos como direcionar as perguntar, de forma
que o que pudemos oferecer foram coisas simples, como atenção, cordialidade,
empatia e bom-senso. Ao final da consulta, a olhos destreinados poderia parecer
que objetivamente nós não havíamos resolvido nada daquela paciente. Mesmo
assim, ela se levantou com um sorriso no rosto, fez questão de abraçar cada um,
agradeceu muito, e nos desejou boa sorte. Ali nós começávamos a entender o que
é a medicina.
Logo depois, quando estávamos sozinhos,
éramos nós que não conseguíamos esconder o sorriso do rosto, e foi quando um de
nós falou: “Nossa, imagina quando a gente souber alguma coisa, e estivermos
soltos aí pelo mundo, quanta coisa boa a gente não vai conseguir fazer!”. Pois,
pessoal, parece que chegou a hora.
Muito obrigado.
Maíra Luciana Marconcini
Pedro Mendonça de Oliveira
3 comentários:
Emocionante demais , beijo da sua irmã
Cadê as próximas crônicas?
Isa
Como sua irmã disse, emocionante Fumaça, cada vez que leio lembro do momento, das sensações e dos varios sentimentos sentidos naquele momento, isso por que eu era apenas um convidado.
parabens novamente e grande abraço.
Cauê
Postar um comentário