Há uma forma bastante segura de vencer todos os debates: ser
dentista (e debater somente enquanto exerce seu ofício). Na verdade “debater”
talvez não seja o termo mais adequado. Refraseio: Há uma maneira muito segura
de que todos concordem com suas opiniões.
Ir ao
dentista é motivo de sofrimento, nos mais variados graus, a todos, ou quase
todos os seres humanos. Há quem pense que, se houvesse fábulas mitológicas modernas,
daquela que envolvem castigos celestiais, como o do Prometeu e da águia,
um dos castigos mais severos seria algo do tipo “terás urgências odontológicas
semanalmente”, e aí, a cada extração de siso brotaria outro no lugar quase espontaneamente,
mais torto do que nunca, obrigando eternas visitas ao dentista.
Pois
bem, você deita na cadeira, abre a boca e a partir dali, um abraço. O profissional
com o rosto a um palmo de você pode falar o que ele bem entender; da pior asneira
do mundo, às mais sectárias das opiniões sobre o assunto que for, que você será
obrigado a concordar (enfaticamente) com tudo. Com pinças, espelhos e outros
aparatos com barulhos altamente ansiogênicos de um lado e um caninho aspirador
do outro, o máximo que você consegue dizer é uhuuum ou mmm-mmm. Sugiro um
prolongamento caprichado nos “ús” do uhum, porque caso ele seja confundido com
mmm-mmm, as consequências podem ser devastadoras.
Se você
discordar do dentista, gerará nele, mesmo que inconscientemente, um mal-estar
inespecífico, que repercutirá de alguma forma nos movimentos de sua mão, por
ora portando objetos capazes de te causar um desconforto bem considerável.
Qualquer sinal de negativa pode gerar um jato de bicarbonato na úvula, e se o dentista estiver muito despreparado para a discordância, até mesmo na narina ou nos olhos. Sem mencionar os golpes com aquele aparelho ultrassonográfico removedor de tártaro (zzzzzzzzzzzz),
na gengiva, ou em outros pontos estratégicos mais dolorosos que só eles
entendem.
Ao
menos, geralmente temos ao nosso lado (física e moralmente) a auxiliar do
dentista, que fica segurando o caninho aspirador de saliva, e que toda vez que
a gente perde a cabeça e tenta formular frases complexas, vai até uma poça de
saliva nalgum recôndito da cavidade bucal e com um sonoro ssshhhhlllllrrrrrr
nos devolve o juízo e a sobrevida dos incisivos e molares.
E com
posições e opiniões tão firmes e corretas (reforçadas constantemente por nós)
eles seguem de maneira bastante segura as limpezas profiláticas, extrações
dentárias, restaurações e afins. É um jogo onde ambos saem ganhando. A arte da
odontologia é uma massagem no ego movida a concordâncias obrigatórias ao passo
que nos alivia de problemas que, apesar de estarem restritos à cavidade bucal,
nos faz perder a paciência, o sono, o juízo, e as vezes até mesmo os dentes.
Aí você
sai do consultório, passa pela sala de espera, onde sempre está tocando Phil
Collins ou algum jazz bem baixinho; a secretária com o sorriso cordial de “até
logo”, e encara os próximos pacientes, que sofrem por antecipação, confundindo o
zumbido do ouvido com o “zzzzzzzz” infernal do “removedor de tártaro”, e abre
um sorriso meio sarcástico. Um misto de alívio, divertimento e até empatia, pois
já passou; e eles, com mais ou menos uhuuums, também passarão.
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