Naquele sábado o menino recebeu visita dos primos da cidade
grande. Morava num sítio com açude, campinho, pomar, cavalos, até cancha de bocha.
Só faltavam amigos, pois a propriedade era meio isolada, de forma que a visita
dos primos era um grande acontecimento para ambas as partes, haja vista a
felicidade proporcionada às crianças urbanas essas pequenas incursões
interioranas.
Fizeram
daquele dia um exemplo de infância, (já nem eram tão crianças assim) daquelas
que a única preocupação é divertir-se alucinadamente, de maneira inocente,
saudável e (in)consciente, o que envolve também seus perigos e traquinagens.
Estilingaram uns passarinhos, quase se afogaram no açude, comeram frutas do pé,
flertaram a filha do caseiro, jogaram bola até o Sol se pôr, contaram as
primeiras estrelas, falaram bobagens e segredos, até que o tio veio buscar os
primos.
O
menino sentia um cansaço absurdo, mas uma felicidade ainda maior, daquelas que
quando a gente ainda é criança, fecha os olhos e fica fazendo força, se
concentrando, pra ver se quando abre, voltou no tempo e caiu no meio daquele
dia em que a alegria parecia infinita. Jantou como se tivesse um gêmeo siamês obeso, tomou um banho no qual quase
(ou efetivamente) cochilou em pé, e quando se dirigia para o quarto, ouviu a
voz de seu pai, que lhe chamava a acompanhá-lo até um dos sítios da redondeza,
pois o vizinho precisava de uma ajuda de urgência com alguma coisa que ele não
entendeu bem.
Ele estava exausto, mas muito contente; resolveu ir ao auxilio do pai (na
verdade não teria escolha, mas foi de bom grado). O pai optou por irem de
motocicleta, de forma que o menino, distraído, ainda pensando nas atividades do
dia, colocou o capacete e começou a subir na moto, pelo lado direito. Ao
iniciar o movimento, sentiu um golpe forte na cabeça.
“Não te
ensinei que não é por aí que sobe? Você é burro?” O pai provavelmente não tivera,
ou não estava tendo dias como o do filho, que com a pancada, e as palavras
duras, encheu os olhos de lágrima. “Desculpa, pai. Vou tentar lembrar de fazer
certo da próxima vez. Mas...esse tapa, foi só por causa disso mesmo? Ou tem
alguma outra coisa?”.
O pai
olhou-o por alguns segundos através do capacete, com o semblante ainda cerrado.
Subiram na moto, e antes de dar a partida, murmurou um “me desculpa”. Ligou o
motor, e partiram para o vizinho.
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Havia um caminho em que, numa dada curva, via-se à sua margem direita um ipê amarelo, no auge de sua capacidade florescente. Parecia figura de livro, ou melhor, de quadro, como se num arroubo de admiração as avessas, a vida quisesse imitar a arte, e não o contrário. E por isso mesmo, enchia os olhos e coração de quem passava olhando para ele de uma sensação boa, melhorando seu dia.
Na
margem oposta do caminho, havia um cachorro morto, provavelmente atropelado, e
várias vezes. Uma figura horrível, triste, nem os urubus o queriam mais. Todo
disforme, emanava uma energia muito negativa. E por isso mesmo, sugava qualquer
sensação boa de quem por ali passava, mirando-o. E claro, piorava seu dia.
Por esse
mesmo caminho passaram diversas pessoas. Umas viram só o ipê, outras só o cachorro.
Houve algumas ainda que enxergaram o cenário todo, e mesmo entre estas,
existiam aquelas que possuíam a habilidade de escolher do que se lembrariam, e
outras não.