segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A (re)caída e o torcedor


Caímos de novo. Nós palmeirenses, por mais que nos disséssemos desiludidos há várias rodadas, sabemos bem que o fio da esperança não se arrebentaria até o último minuto do último jogo, se até lá sobrevivêssemos.  A sensação é horrível, é revoltante, e o pior de tudo é que não foi nada inesperado. Todos sabem de quem é a culpa disso tudo e não vou me ater à velha lenga-lenga. O assunto sobre o qual eu quero tratar é outro: é o que eu entendo ser o papel de torcedor.
O fato de eu torcer para o Palmeiras independe se ele ganha ou perde, se a diretoria é um lixo ou se é considerado por quem quer que seja time grande ou pequeno. Abandonar o time, como o Clóvis Rossi, colunista da Folha que escreveu de forma bastante infeliz hoje no caderno de esportes jamais passaria pela minha cabeça. Para mim time é como família, a gente apoia até as últimas e mesmo depois delas.
Um cidadão abandonar o time devido sua má gestão é o mesmo que, por exemplo, outro abandonar a fé católica devido a padres pedófilos. A paixão pelo clube é um sentimento avançado demais para ser corrompido por atitudes de sujeitos mal-intencionados ou displicentes. O time é um organismo, que como um todo, depende de fatores internos e externos; sua saúde é um processo bio-psico-social no qual a torcida desempenha um papel absurdamente relevante, e sem a qual, no fim último das coisas, não teria nem para quê o time existir.
                
Por isso, hoje, no dia pós-rebaixamento, saí de casa com a camisa verde. Não vai ser a (re)caída que mudará alguma coisa no que tange meu apoio ao time.  A mim, não tem cabimento aqueles que só ostentam o fardo quando o time ganha. Torcer pelo Palmeiras (para mim) vai muito além de quem o administra, ou até mesmo quem veste sua camisa dentro das quatro linhas, apesar disso tudo colaborar.
São memórias, lembranças de torcer (independente de vitórias ou derrotas) junto a meu pai, meus tios, amigos, em frente a TV, no estádio, no bar. O compartilhamento de uma expectativa e sentimento comuns, simples, humanos, que para mim, veio através do Palmeiras. Não sou um aficionado por futebol; sei o comum, a tabela do brasileirão e dos principais campeonatos europeus, as contratações mais importantes, estilo de jogo dos jogadores que mais aparecem nas equipes etc. Mas torcer é muito distinto disso.
Já conheci sujeito (brasileiro) que torce pela Argentina. Ando vendo aí gente da nova geração (e até da velha) dizendo que torce pelo Barcelona. A questão de ver uma equipe jogando bem, e por isso querer que ela dê show, faça gols e ganhe partidas não significa torcer. Ser Palmeirense não é uma escolha. É a mesma coisa que chegar e dizer, a partir de agora não quero mais ter sangue B+. Não existe essa possibilidade.
                
Claro que quero ver o Palmeiras brigando de igual pra igual com os principais times do país, ganhando títulos, jogando bonito. Por enquanto o negócio tá brabo, torço para que as eleições de janeiro comecem a dar novos rumos pro verdão. Mas não me importa o que façam os outros, muito mais responsáveis do que eu pelo futuro do time. Até porque, sábios estoicos, existem coisas que dependem da gente, e outras que não dependem. E é por isso que minha parte continua sendo puro imperativo categórico de Kant. Vou continuar torcendo igual, simplesmente porque é assim que tem de ser.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Respeitável pança


Não faz muitos dias, meu grande amigo Whisky e eu jantávamos, as 17h, no RU da UFSC (uma tradição muito antiga que temos; sempre ali perto da máquina de suco nos arredores da saída) quando contei-lhe que havia alcançado uma das resoluções do último réveillon: baixar dos 70kg. “Agora só falta perder a pança de chope”, completei.
“Perder a pança? Mas pra quê? Queria eu ter uma pança de chope. Tem coisa mais respeitável?” Whisky, que até pouco tempo atrás tinha o porte físico comparável ao do Woody Allen, serviu de gatilho para uma das maiores epifanias que tive nos últimos tempos.  
 Saí do RU com um orgulho sem precedentes da minha pança. Oras, sábio Whisky! Não há (ou não deveria haver) quem tenha coragem de recriminar a quase onipresente discreta protuberância, saliência, ou lomba no andar baixo do abdome, adquirida, em sua maioria, pelos jovens em geral à época universitária.
Mas veja lá, não pode ser aquela pança avacalhada, que remete ao seu significado original, parte digestiva dos ruminantes que antecede o barrete e o folhoso. Há de ser a inevitável pança, cujo portador, com IMC no máximo limítrofe para o sobrepeso, adquiriu por ter aproveitado (e muito) a companhia dos amigos nos mais amigáveis pés-sujos da cidade, discutindo futebol, mulheres e os homéricos porres de outrora, além dos incontáveis esquentas para as festas universitárias, e as noites de solidão em que deveria estar estudando, mas resolveu juntar a turma pra tocar violão e tomar aquela(s) cervejinha(s).
               
Engraçado como a partir de então comecei a imaginar a minha pança como melhor definidora de mim mesmo. Como se, quem reparasse nela, pudesse de maneira inequívoca dizer: “Esse cara tá prestes a se formar médico, mas deixou de estudar metade da faculdade pra tocar violão, escrever crônicas, festar, beber, e tentar (em vão), agora, no final de tudo, perder essa pança, que é o que há de melhor nele”.
As respeitáveis panças são produtos quase filosóficos. Quem tem a pança de chope (a autêntica) é existencialista por natureza, sendo capaz de parafrasear Nietzsche, Sartre, Heidegger ou Kierkegaard, mesmo que não tenha a menor ideia do que se trata. Com algum esforço, poderiam ser os novos Chicos (o Buarque ou o César) ou Noéis (o Rosa ou o papai), dependendo do rumo para o qual a barriga deslanchasse. A pança de chope pressupõe habilidades únicas, e uma capacidade ímpar de valorizar as mais excêntricas e concêntricas variáveis do sexo oposto.
                
A pança será meu trunfo do próximo verão. Esperarei de forma convicta que a moça meio intelectual, meio de esquerda, que passeia descompromissada por Jurerê internacional (as moças meio intelectuais, meio de esquerda não costumam frequentar Jurerê internacional, mas vamos seguir sonhando) deduza através de minha pança (de maneira certa ou errada, isso pouco importa), que sou um rapaz viajado, cuca fresca, leitor de Paulo Freire e Xico Sá, ouvinte de sambas antigos, bom de papo, entre outras coisas quaisquer, mas que só uma pança de chope pode levar a imaginar.
E que as outras moças, as que não são meio intelectuais nem meio de esquerda (e salve Família Prata!) essas sim, frequentadoras de Jurerê Internacional, quando estiverem já quase envesgando e com o cotovelo esfolado depois de ter levado um lindo capote ocasionado por uns champanhes a mais, confundam o salutar volume extra de tecido adiposo com uma barriga tanquinho fabricada em academia, e assim, que eu e meus parceiros pseudo-filósofos e originalmente boêmios tenhamos o merecido (mesmo que deturpado) reconhecimento, e possamos desfrutar da glória de ter a honrosa pança de chope.
                
No fundo, talvez o Whisky tenha apenas me dado a desculpa necessária para encarar o fato de que seria impossível perder essa pança. Talvez chegando a desnutrição severa, ou algo que o valha. Mas depois daquela janta ela virou uma entidade sagrada, a ser defendida com unhas e dentes, ou melhor, chopes e cervejinhas.

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.