Ultimamente anda me dando vontade de rever vários filmes,
reler vários livros, reescutar vários discos e rever algumas pessoas. Anda
parecendo-me que tudo o que temos que entender já nos foi apresentado, mas
passou despercebido por termos os olhos, mente e coração destreinados. E mais:
em última análise, tudo o que precisamos entender desenvolve-se a partir de nós
mesmos, já somos o pacote completo, e as experiências e vivências, nosso manual
de instrução. As vezes temos que ler alguns capítulos inúmeras vezes para
entender o nosso funcionamento.
Achei
muito interessante quando uma amiga recentemente me contou que acha ter
acertado na escolha de fazer residência médica em pediatria, pois, diz ela, é
incrível o quanto aprendemos com as crianças. Isso me fez até avaliar a análise
de um filósofo e educador que gosto muito, Mário Sergio Cortella, quem diz
(inclusive no título de um livro seu) que “Não nascemos prontos”. Ora, tudo na
natureza, os demais elementos, funcionam de forma intuitiva, automática, pois
não tem intelectualidade. Somos nós também parte da natureza, logo, nascemos
sabendo o que fazer. Podemos não ter boa memória disso, mas no começo tinhamos muito mais certeza do que fazer. Crianças sabem o que fazer! Sabem se divertir, sabem reclamar por
alimento quando precisam, tem criatividade para resolver seus conflitos. Daí,
somos inseridos numa sociedade que nos faz pensar e agir de forma pouco natural
e quando chegamos à fase adulta, já perdemos todas essas capacidades infantis e
achamos o máximo como agem as crianças e os velhos, esses últimos, depois de
muito penar na fase adulta (a meia idade, que pode muito bem ser comparada a
idade média, como situada historicamente, a fase da decadência, das trevas)
voltam a entender como deveríamos ter levado a vida o tempo todo.
Em
poucos dias embarco para Barcelona, é grande a expectativa. Mas...expectativa
de quê? De que aconteçam muitas coisas? De que eu aprenda coisas que de outra
forma não aprenderia, de que viva experiências que em outro lugar seria
impossível? De que tudo seja uma grande festa, baderna, pessoas diferentes, sei
lá, esperar de tudo um pouco. Mas e se não for nada disso? Pode ser tudo calmo
e tranquilo, normal, e isso também pode ser muito bom. Pode ser que eu volte
querendo assistir mais Woody Allen, lendo mais Tchekov e Cristovão Tezza,
agindo exatamente da mesma forma, com as mesmas pessoas. E provavelmente isso é
o que melhor tem a acontecer, independente da intensidade da viagem. Será
preocupante se no final eu entender que devem acontecer mudanças drásticas na
forma como levo a vida.
As
mudanças tem de ser lentas e graduais. Conheço pessoas que mudam radicalmente
depois de certa experiência, seja uma viagem, um relacionamento, algumas aulas,
enfim. O resultado disso é que a pessoa se torna uma caricatura da projeção que
tem do “ideal”, e fica eternamente à sombra de sua autêntica essência. Física e
mentalmente perdida no tempo e espaço, é percebida desta forma por qualquer
pessoa a sua volta, menos por ela mesma.
As
viagens, as leituras, as canções, as vivências e convivências, são objetos de
reflexão. É triste vivermos isso tudo com medo de errar. Erros e acertos são
dois lados da mesma moeda. O que vale é a experiência. Isso não quer dizer que
devemos ficar alegres se erramos o tempo todo. O erro por si só causa certo sofrimento,
mas é bom na medida em que é um agente inevitável, companheiro ubíquo, que
quando tratado da forma ideal (= corrigido), serve como motor evolutivo.
Seguiremos errando em alguma medida (que bom!).
Pois
bem, só erra ou acerta que sai do lugar. E sair do lugar não implica
necessariamente em fazer grandes viagens. É um pouco sobre tudo o que diz um
famoso poema de Edson Marques, mas atribuído a Clarisse Lispector (como quase
toda citação descontextualizada) chamado “Mude”. http://www.artelivre.net/html/literatura/al_literatura_edson_marques.htm
Ademais, é um pouco triste pensar que nos
tempos atuais, a curiosidade, um dos maiores gatilhos na busca de novas
verdades, esteja direcionada a coisas tão pequenas, como pormenores (e na
maioria das vezes, depreciativos) da vida alheia, o que não costuma agregar
nada a ninguém. Seria interessante se as pessoas tivessem um pouco mais de
curiosidade sobre qual o papel que lhes cabe no mundo, e desta forma, como
costumava dizer outro grande filósofo, Jorge Angel Livraga, deixar o mundo um
pouco melhor do que o encontramos.
Esta investigação é eterna e mutável.
Barcelona: o próximo episódio da minha.