Ontem fui a um concerto na Sala São Paulo e saí querendo
escrever um tratado sobre música. Não sobre música em si, por motivos óbvios,
mas sobre nossa relação com ela. Contudo, a coisa mais longa que escrevi mal
encheria um panfleto e, ao me lembrar disso, tratei de usar meu “poder” de
síntese e tentar comunicar meus arroubos epifânicos em uma ou duas páginas, na
qualidade atual de cronista amador.
É
impensável um mundo sem música. Eu, e tenho certeza que muita gente, já acorda
com alguma música na cabeça. Uma das grandes vantagens da modernidade é que dá
para apenas virar para o lado e, em uma dúzia de teclas e cliques, ouvir
qualquer versão que você quiser daquela música na mesma hora.
E ficamos
ruminando músicas o dia todo. Somos cercados de sons, que quando entram em
concordância, são reconhecidos instintivamente e de imediato como entidade
imprescindível e parte integrante de nós mesmos. Claro que dependendo das
experiências auditivas e vivências que a pessoa teve durante sua existência, a
interpretação de “sons concordantes” pode variar muito. Apesar disso, acredito
que, quando uma pessoa está com sua atenção voltada para determinado estímulo,
no caso sonoro (ou seja, está plenamente consciente, sem pensar na morte da
bezerra ou no que vai fazer se ganhar na mega-sena) quando a harmonia é
atingida, ela é intuitivamente percebida. Não precisa de nenhum conhecimento
prévio para isso.
Ontem isso
ficou bem claro pra mim. Meu conhecimento sobre música erudita é bem limitado,
mas com atenção, e certamente por mérito dos músicos, do regente e do
idealizador do concerto, aquilo me dava a impressão de poder se passar
tranquilamente por popular. Era a sabedoria buscando naturalmente a harmonia, a
arte dando o exemplo nítido de que o bom e o belo se tornam justos por
conceito, e dando por fim uma sensação de paz, que é a razão última, direta ou
indireta, de qualquer atitude do ser humano.
Paz
esta que pode ser alcançada pela música de outras formas. A sensação não foi
muito diferente de fazer parte do maior karaokê humano de que já participei,
entoando Na na na na, hey Jude! Debaixo de um temporal, durante 7 minutos, que
poderiam durar 70, no final do show do Paul McCartney. Ou cantar de cabo a rabo
todas as músicas de Los Hermanos na companhia de grandes amigos na turnê que fizeram
pelo Brasil. Ou ainda ouvir João Gilberto cantando baixinho, embalando o sono
santo de vários dias; um reggae na república, ou num luau na praia.
A
música exerce tanta influência em nossa vida, que os comerciantes, sabidos que
só eles, criaram em certas lojas um sensor na etiqueta das roupas, que quando
você vai prová-las, é lido e começa, no provador, a tocar músicas que estimulem
a compra. Por exemplo: você vai provar uma bermuda de praia e quando entra no
provador, começa a tocar uma música do Jack Johnson.
Não é a
toa que elegemos músicas de nossas vidas, músicas de namoro, da época de
faculdade, que nos fazem lembrar momentos, pessoas ou lugares. O mais interessante
é que todos podemos não só apreciar como também fazer música. Alguns talvez não
desenvolvam habilidades técnicas para tocar algum instrumento, (o que no fundo
é só uma questão de vontade e muito treino) mas todos tem um potencial latente e
único: a voz, que é definitivamente o instrumento musical mais incrível que
existe, talvez por ser o único não criado pelo homem. É só compreender o que cabe a cada um. Não poderia a Fernanda Takai cantar as músicas da Janes Joplin, ou o Zé Ramalho ser vocalista dos Bee Gees, mas todos são igualmente eficientes, e agradáveis por reconhecerem seus potenciais
As
experiências vividas são ditas únicas e intransferíveis, com toda a razão. No
entanto, com um pouco de esforço, há de se transmitir um pouco das sensações e
aprendizados dos grandes e singelos momentos, não para que aprendamos com erros
e acertos alheios, mas para ficarmos mais vigilantes quando circunstâncias similares
nos aparecerem à frente. A atenção é de certa forma uma virtude, que quando
empregada da maneira correta pode nos fazer entender muito mais sobre música e
nós mesmos.