segunda-feira, 28 de maio de 2012

Achados e perdidos


Senhor, desculpe o mau-jeito, vim correndo da chuva, já de saída perdi a hora, bem como o guarda-chuva, como pode perceber, mas nem é isso que vim procurar. Trouxe uma lista aqui, porque ando também perdendo a memória. Sei que não vai estar tudo aí, mas tem muita coisa que eu perdi, e não lembro onde, como ou quando, mas tenho que começar a procurar por algum lugar.
 Perdi tanta coisa pelo caminho... Onde é que está a lista? Até os cabelos, veja só! Acho que de tudo, só não perdi mesmo o juízo. Mas não sei se isso é bom.
 Devo ter deixado a lista em algum lugar. Perdi, hehe! Mas veja aí, por favor, não tem o meu sonho de juventude? Aposto que alguém o levou por engano, eles são todos tão parecidos, não é mesmo?

E aqueles dois ou três amores que tive na vida? Será que não foi aqui? Faz tanto tempo, me distraí com o trabalho, acabei perdendo também. Ah, mas aposto que aquelas chances de dizer às pessoas que amo o quanto elas foram importantes pra mim, essas não tem como não estarem por aí, pelo menos uma ou outra. Dá uma procurada melhor, deixa eu entrar aí que eu conheço bem como é.
 Não, meu senhor, relógio eu perdi também, mas isso a gente compra em qualquer esquina. Quero saber das coisas que não voltam, dessa categoria, será que não tem nada aí? Puxa, mas a minha lista era tão grande, revisei ela tantas vezes que perdi a conta.

Olha, o senhor não tá facilitando pro meu lado. Tem um monte de coisa aí que eu sei que ninguém vem buscar, nem percebe que perdeu. Eu trouxe aqui um material que talvez interesse pro senhor. Se achar que vale a pena, a gente faz negócio. Veja só, tá sobrando aqui pra mim: arrependimento. Dá pra trocar por alguma coisa? Eu tenho de monte. Vale pelo menos uma chance de passar ridículo? De ficar bêbado com os amigos e pular de roupa na Lagoa da Conceição. Ou de chegar na menina mais bonita da escola e dizer que to apaixonado, roubar um beijo, roubar no truco. Aprender a tocar violão, pedir o divórcio, mandar algum imbecil tomar no cú, mesmo que eu ganhe um olho roxo depois. Algum desses? Nenhum?!
               
 “Não temos nada parecido com chances perdidas”. É isso que o senhor tem a me dizer a essa altura do campeonato? Ora, é melhor o senhor sumir daqui antes que eu perca a cabeça! Vá para o diabo e leve consigo todos esses relógios, celulares, carteiras e chaves perdidas. O que eu quero agora é achar algo que valha a pena. Será que dá tempo? Vou lá pra fora ver o que é que tá tendo.
 Mas e aquele guarda-chuva ali? O preto, semi-automático. Eu tinha um tão parecido... 

sábado, 19 de maio de 2012

Sonhos de uma geração


- Pois é, minha filha! Levou um tombo, quebrou a costela, deu hemorragia...foi terrível! Isso, minha sogra!...
   Eu lia o “Clube da Luta” dentro de um ônibus que subia a Av. Angélica, as 7h15 da manhã, rumo ao meu estágio em geriatria no Hospital das Clínicas, quando percebi uma senhora bonachona narrando em alto e bom som, pelo celular, uma pequena tragédia doméstica que acometera sua sogra.
   Há um segundo atrás Tyler Durden dizia que há uma categoria de homens e mulheres jovens e fortes que querem dar a própria vida por algo. Mas que a propaganda faz essas pessoas irem atrás de carros e roupas de que não precisam. E que gerações tem trabalhado em empregos que odeiam para poder comprar coisas de que realmente não precisam. Que não temos uma grande guerra em nossa geração, ou uma grande depressão, mas na verdade temos, sim, uma grande guerra de espírito. Temos uma grande revolução contra a cultura. E a depressão é a nossa vida.
 Mais um pouco a senhora bonachona trocou de assunto e falava sobre alguma coisa que envolvia “ciclos de amaciante”, e que “por favor, não esqueça de estender as cuecas do meu marido, que ele anda sem, e se esquecer, amanhã não vai ter o que usar”.
               
  Ler no ônibus, ainda mais numa cidade como São Paulo, é a melhor coisa que se tem a fazer. É um paradoxo muito grande estar lendo “Elogio à Loucura”, ou uma biografia do Che Guevara e parar por uns segundos pra reparar nos seus companheiros de coletivo. O que será que essa galera tá pensando. Dá pra viajar legal analisando o cenário.
  Aprendi isso quando fazia cursinho, e subia aquela mesma Av. Angélica, para aprender uma porção de coisas que nos é cobrada para que passemos numa prova e vá aprender outras porções de coisas que nos darão condição de trabalhar em empregos que imaginamos que seja o melhor que podemos fazer. Hoje subo a Av. Angélica para aprender a tratar de velhos, o que, de fato, talvez seja o melhor que possa fazer.
 Olho em volta e vejo uma montoeira de gente de olhar vago, ainda acordando, todos em silêncio, (menos a senhora bonachona, que depois de quase quinze minutos de conversa, se despede da pessoa do outro lado da linha; mas não podemos culpá-la, já que a tarifa é de 25 centavos por ligação), como disse o Tyler, indo trabalhar em funções que detestam, ou não. Simplesmente, “era o que tava tendo”.
               
E nós? Doamos sangue, reciclamos lixo, escrevemos alguma citação bacana no mural do Facebook e achamos que estamos fazendo nossa parte. E no grosso da coisa, continuamos perseguindo os ideais da propaganda. “O meu sonho de consumo (FAIL!) é dirigir uma Lamborghini e ter uma casa em Jurerê, ou em Alphaville”. Como diz o grande Milton Leite: “Que beleeeza”!
Daqui uns anos estaremos as 7h15 da manhã, de cara amarrotada, olhar vago, num coletivo ou numa Lamborghini, pensando, quem sabe, em um dia ir trabalhar de helicóptero. E ter uma casa em Miami. Viver é isso, então?
               
“Advice for the Young at heart: Soon you Will be older. When you gonna make it work?” (Tears for fears, boa banda dos anos 80)

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.