quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Precisamos registrar

O ano de 2011 foi sensacional. O mundo e a forma como as pessoas estão organizando-o continuam algo um tanto desanimador (hoje li, por mais absurdo que pareça, que o homem que dirige uma nação, no caso, Hugo Chaves, suspeita que o fato de que vários líderes latino-americanos estejam com câncer faça parte de alguma conspiração). Entretanto, no meio da bagunça, à nossa maneira, conseguimos fazer mais um ano valer a pena.
Acho fundamental que registremos de alguma forma aquilo que nos fez distinguir-nos uns dos outros nesse período, afinal de contas, ninguém duvida que seja na diferença que a gente cresce, e estamos aqui pra levar a melhor vida que conseguirmos, o que só é possível se realmente enxergarmos o que é de fato bom, especificamente pra cada um de nós, e não o que a maioria nos impõe (não que por vez ou outra não possamos ou devamos aderir à massa).
Eu gosto de escrever, então, já há algum tempo, escrevo crônicas e outras formas de texto que, entre outros, me servem de recordação para as coisas importantes pelas quais vou passando. Quem acompanha meu blog sabe disso. Há quem goste de tirar fotos, quem escreva em diário, já conheci até quem fale para um gravador. Mas é importante que se registre. Nossa memória não é tão boa selecionadora de fatos importantes, por vezes deixamos pra trás momentos simples, mas formadores de caráter, em detrimento de alguma bobagem absurda que não deveríamos dar a menor importância.
Acho que vale o exercício. Quais as situações e experiências verdadeiramente importantes pelas quais você passou esse ano, que dizem respeito somente a você, e que o distingue dos demais? Afinal, todos acordamos e dormimos, nos alimentamos, fomos estudar ou trabalhar e ouvimos “Assim você me mata” querendo ou não, o tempo todo (não estou dizendo que seja ruim). Mas existem coisas que só você ou um pequeno grupo de pessoas presenciou ou viveu, e é isso que vai fazer a diferença, se você se lembrar delas.

Posso começar dando o exemplo. Neste ano eu:
- Ganhei dinheiro tocando violão nas ruas de outro país; aprendi que com um pouco de coragem e criatividade a gente se vira.
- Fui médico e palhaço na Amazônia, onde descobri que uma realidade totalmente diferente e desprovida de muitos recursos que temos, pode ser tão boa ou melhor do que a nossa.
- Recebi meus pais pela primeira vez na minha casa em Florianópolis (primeira viagem de avião da minha mãe)
- Passei quase todos os finais de semana na Real República Tcheca, onde fiz grandes amigos.
- Comecei a estudar filosofia
- Convenci um amigo a não seguir determinado rumo em sua carreira, por acreditar que aquela não era sua verdadeira vocação.
- Fiz meu primeiro parto. Foi da Júlia, que nasceu em 27/10/2011.
- Vi grandes amigos se formando médicos (aliás, sem exageros, o mundo se torna um pouco menos desanimador com a 06.1 formada).

E por aí vai. Cada um tem pra si o que fez a diferença. No entanto, esquecemo-nos que somos a soma das pequenas e grandes escolhas que fazemos diariamente. Não conseguimos responder sequer a perguntas como: Por que eu penso desta maneira? Como eu cheguei até aqui? Por que eu decidi chegar até aqui?
E o que mudou?

“What more can you be than the things they say you’ve been?” (Mick Hucknall)

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Amigo secreto

Neste Natal minha família organizou pela primeira vez um amigo secreto, este ritual secular criado para entreter os participantes das festividades de final de ano nas empresas, famílias e turmas em geral, e que a mim durante muito tempo foi motivo de grande aflição.
Por longo período era minha mãe quem comprava os presentes dos meus amigos secretos. Invariavelmente Dona Neusa achava que o presente escolhido por meus amigos era caro demais; se custasse 30 reais, ela comprava algo de 25, se fosse 5 reais ela comprava um de 3. E foi assim que anos a fio eu tive que lidar com situações constrangedoras, resumidas na lista abaixo, entre os presentes pedidos e os presentes dados:

Bola de capotão – bola de plástico
Camiseta da Bad Boy – Camiseta da C&A
Jogo de Cartas Super Trunfo – Baralho comum (ou um genérico que se chamava Super Coluna)
Walkman – (e esse é imbatível) jogo de dardos

Claro que hoje em dia a gente leva de letra, o pessoal até nem pede mais um presente específico, fica a critério do presenteador, mas imagine pra uma criança de seus oito ou nove anos chegar com um jogo de tiro ao alvo pra um coleguinha da catequese que pediu um Walkman. Era no mínimo contra tudo o que a gente tinha aprendido durante o ano todo nas aulas da Tia Izildinha (a catequista) se é que a gente compreende alguma coisa quando faz catequese. A cena da entrega desse presente em particular foi bem pesada, a cara de desolamento e incompreensão do meu amigo secreto era digna de foto de livro.
Não eram raras as vezes em que, na hora do sorteio, alguém pegava um papelzinho com o nome de alguém que não gostava muito e num movimento ágil e pouco convincente amassava de volta, falava “não vale, tirei eu mesmo” e arremessava junto aos demais papelotes para que recomeçasse o sorteio. Sempre imaginei que era isso que estava acontecendo, pois comigo isso nunca ocorreu.
Amigo oculto, amigo da onça, amigo itinerante, não importa muito a variação, é talvez o único momento da festa em que todos estão realmente unidos e com a atenção voltada para a mesma coisa. O presente em si torna-se secundário, além do que, como disse uma prima minha, o valor do presente não está no preço e sim no quanto você se doou em achar algo que a pessoa realmente ia gostar. O mais bacana é ver as pessoas ali, em frente a um monte de gente, muitas delas envergonhadas, mas falando algo bacana sobre e para a pessoa que irá presentear.
Lá na casa da minha tia foi bem legal. Começamos com bastante antecedência a entrega dos presentes; mesmo assim, à meia-noite não tinham sido todos presenteados, só fomos nos dar conta do horário devido aos fogos. Apenas gritamos juntos “Feliz natal” e continuamos o amigo secreto. Palavras emocionadas, situações engraçadas, numa grande síntese do que deveria ser toda reunião de pessoas que se querem bem.
Certamente repetiremos a dose.

Aproveito para desejar a todos um feliz ano novo, independente do que ele nos traga (mas sempre esperado o melhor), que consigamos vivê-lo na medida do possível, junto daqueles que queremos e nos querem bem.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Apenas mais uma de amor (virtual)

“Conheceram-se” numa rede social. “Curtiram”-se um tempão antes de marcarem o primeiro encontro. Antes da data marcada passaram alguns dias investigando (nada muito além da Wikipedia) um pouco mais sobre Caio Fernando Abreu e Arnaldo Jabor, autores das frases do perfil dela e dele, respectivamente (depois ele descobriria que a frase nem era do Jabor, mas de um fulano qualquer). Ele aprendeu a base de “Love me two times” dos Doors e um ou outro solinho dos Beatles, caso fosse necessário provar que os interesses mostrados na página da rede eram realmente genuínos. Ela tratou de assistir Truffaut e Godard, entenda-se tão e somente “Os Incompreendidos” e “Acossado”, caso ele soubesse do que se tratava aquele interesse por Nouvelle Vague que constava em seu perfil.
Parecia-lhes interessante que se gostasse daquelas coisas, apesar de não ser bem daquilo que eles mais gostavam.
Houve bastante honestidade de ambas as partes quando jogaram as expectativas lá embaixo. Afinal de contas, das três mil fotos que cada um tirou na vida, eles sabiam que no álbum de fotografias da rede social constavam apenas uns 30 lances de sorte; poderia ser (e era muito provável) que um ser humano bem diferente se apresentasse dali a uns dias.
Encontraram-se num barzinho cult que não remetia ao gosto de nenhum dos dois, mas que ele achava que agradaria a ela, e ela a ele. Cumprimentaram-se com um beijo no rosto, ela até virou o rosto para o segundo, mas ele sentou-se sem notar. Pediram uma cerveja Long Neck, uma caipirinha de kiwi e uma porção de batata frita aos quatro queijos, especialidade da casa, segundo ele leu no site.
Começaram uma ectoscopia involuntária, sem diálogo. Ele tinha um tique estranho (se é que algum tique não é estranho, ela ponderou na hora) envolvendo a sobrancelha esquerda, enquanto ele achou que ela aparentava ter adquirido uns quilos a mais desde a última fotografia tirada e postada na rede. Nada que os tenha abalado significativamente.
Quando ela percebeu que ele estava atentando para a recém adquirida tatuagem de libélula no ombro esquerdo, resolveu perguntar se ele havia comprado a escaleta que tinha mencionado certa vez no MSN. Ele, que disse isso apenas por imaginar que tocar escaleta poderia parecer interessante, ia começar a inventar uma série de bobagens mais ou menos convincentes, ao que a banda começou a tocar “With a little help from my friends”, na versão do Joe Cocker.
- Olha, a música dos Anos Incríveis! – Ela disse.
- Você assistia? – Ele perguntou, em meio a outro tique supraocular.
E aí eles, nascidos no final da década de 80, viram nos clássicos da TV cultura um bom fio condutor para início do papo. Ele disse que não perdia um episódio sequer do Mundo de Beackman, enquanto ela achava o máximo as Confissões de Adolescente.
Passearam por trivialidades da infância, e quando ele contou que teve três bichinhos virtuais simultaneamente, ela deu uma risada tão gostosa, que ele, pela primeira vez, fez um elogio espontâneo, algo que não havia ensaiado em casa. “Que dentes brancos, você não tem nenhuma foto deles no computador”. Pelo menos na intenção era um elogio.
Ele nunca tinha visto porque ela imaginava que não convinha ter fotos mostrando risadas de orelha a orelha no álbum de fotos virtual. O conveniente era ter fotos mais ou menos de perfil, usando óculos de sol, juntando os braços para salientar o decote, foto batida de cima, e com a legenda “Por do Sol em Fernando de Noronha” ou “Barceloneta...saudadeeess”.
Ainda voltaram a falar um pouco da infância, do gravador vermelho da Gradiente, da chatice de copiar mapa em papel vegetal, mas aos poucos se deram a chance de se conhecer melhor e verdadeiramente. Foram percebendo que eram de fato diferentes daquilo que imaginavam que seria o mais bacana mostrar pela web, mas não menos interessantes. Falaram de suas viagens, de comida, das abobrinhas que postam na internet, filmes que realmente assistiram, músicas que realmente curtiam (ele descobriu que não era manjado demais curtir Paralamas e Titãs, e ela que não faz feio assistindo Spielberg e comédias românticas).
Quando ele a deixou em casa, não conseguiu nem tentar beijá-la, apesar de imaginar que ela estivesse (e realmente estava) afim. Estava acostumado a nem precisar impressionar as menininhas que ele pegava via chats obscuros com seu e-mail fake. Ali era outra história.

Encontraram-se outras vezes, foram se envolvendo, trocaram o status de relacionamento na rede social. Até trocaram juntos a frase do perfil. C. F. Abreu e o pseudo-Jabor deram lugar ao manjadíssimo Renato Russo: “quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração...”. Bateu ciúmes virtuais, por “curtição” indevida de pessoas indesejadas nos posts de um e de outro. Suicidaram-se e ressuscitaram várias vezes na rede social. Ficaram juntos um tempo bem razoável. A relação seguiu a tendência sistólica e diastólica que parece reger todo o universo; um dia encontraram páginas com perfis que pareceram ser mais interessantes, e trataram de reconstruir as versões ideais sobre si mesmos.
Nada de novo sob o Sol. Ou melhor, nada de novo inside the web.

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.