terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Retrato da saudade

A sequência lógica da coisa é viver, pensar, digerir e escrever. Desde que iniciei minha viagem pela Europa, quando acontece alguma coisa divertida ou diferente penso “quando voltar vou escrever sobre isso”, e de fato há bastante coisas sobre as quais pretendo discorrer, assim que tiver um tempo exclusivo para pensar sobre elas e arranjá-las da melhor forma no papel. Entretanto, por ora estou em Heidelberg, pequena e acolhedora cidade ao Sul da Alemanha, em meio a um estágio que serviu de desculpa primordial para tal viagem, com uma coceira insustentável nos dedos. É preciso escrever.
Até porque a mim não soa tão comovente alguém escrevendo “sentia saudades” ou “senti saudades”. Muito mais arrebatador um “sinto saudades”, e realmente as sinto. Andava procurando a melhor forma de expressá-la, talvez uma frase bacana e simples, emblemática ao menos a ponto de quem ler copiar e colar no nick do MSN, e o que de mais genuíno vem à cabeça é “Puta que pariu! Que saudade da terrinha!”
O Amir Klynk tem frases bacanas, daquelas que a gente que escreve fica pensando “puxa vida, como não tive essa sacada antes” sobre viagens e o viajar. Diversas vezes pensei nelas durante minha viagem, mas o que mais vinha à mente durante este período, sem mentir, era o Jorge Ben Jor cantando “moro num país tropical, abençoado por Deus...”
Que vontade absurda de comer feijão com arroz e carne moída! Pastel de feira com caldo de cana, então! Melhor até mudar de assunto. Saudade de ouvir todo mundo falando em português, de me sentir em casa, de realmente estar em casa. Dormir encostado no travesseiro já moldado ao formato da sua cabeça, embalado pelos fogos e gritos de “gol” numa quarta-feira a noite (os campeonatos estaduais já começaram!), acordar com o vizinho inconveniente ouvindo pagode enquanto lava o carro na garagem, as dez da manhã.
Saudade de fazer aquele churrascão com a rapaziada, pão com lingüiça e cerveja a dar com pau. Roda de violão em Canasvieiras, as loiras do curso de farmácia desfilando no bar do CCS, fazer esquenta para uma festa universitária qualquer. Agora é férias pra todo mundo, mas essa lonjura toda antecipa e aguça as sensações.
É mister, entretanto, deixar claro que isto aqui não se trata de lamúrias proveniente de dias mal aproveitados. Longe disso! Caríssimos, não carecerão de fartas risadas e nós na garganta, tudo a seu tempo. Mas é que essa coisa da saudade, exige um modus operandi diverso, escrevo agora enquanto os outros dormem, para, além de tudo, ainda poder esbanjar como num poema da antologia de Vinicius e ao final, no canto direito escrever “Heidelberg, 2011”.
Saudade tenho ainda de acordar num domingo e ao som de Billy Holliday descer as escadas do sobradinho lá de São Paulo e sentir o cheiro da massa que meu pai prepara, percorrer a casa e quase tropeçar no Pingo, que me levaria correndo até provavelmente a lavanderia, onde minha mãe estaria estendendo contente minhas roupas (não que ela goste de estender roupas, mas é que como não moro com eles, até ver-se estendendo minhas roupas, sinal de que estou em casa, faz com que seu dia seja melhor). Saudade de abrir o jornal e planejar o que fazer no próximo final de semana, ler a coluna do Drauzio, do Scliar ou do Rubem Alves. Até a da Barbara Gancia valeria. E quando desse a hora do almoço acordar minha irmã com um grito ao pé da escada (relembrando que é uma manhã de domingo).
Não falta tanto, São Paulo em três semanas e Floripa em seis. Ao voltar não peço nada. Claro que será bem bacana ser recebido com um pratão de arroz, feijão e carne moída; um churrasquinho de comemoração também não cairia mal. Caindo, no entanto, de forma inevitável no velho clichê, o que mais vale é entender que toda dessa saudade nada mais é do que o atestado definitivo de que a vida andava boa, de que vivo cercado de pessoas fantásticas, e fica a expectativa de que este período de alguma forma esteja servindo de aprendizado para aproveitar melhor essa coisarada toda.
Puta que pariu! Que saudade da terrinha!

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Quem sou eu

Médico da atenção básica de Sombrio - Santa Catarina. Escreve para o site da prefeitura, neste blog e eventualmente em outro veículos. Estuda filosofia. Toca violão e alguns outros instrumentos, nenhum verdadeiramente bem.